OS DISSABORES DA INVASÃO HOLANDESA À CIDADE DE
SÃO CRISTOVÃO (1637-1645)
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Resumo: Em
1637, quando a cidade de São Cristovão ainda engatinhava no desenvolvimento da
sua capitania, irrompe a invasão
holandesa trazendo sérias consequências e provocando vários conflitos durante
os sete anos de sua ocupação, tanto no que diz respeito a interrupção no
processo de colonização, quanto na vida administrativa, na estagnação das
atividades de subsistência, bem como, na produção dos recursos, somado ao atraso que se processou nesse
período. Nesse sentido, esse texto tem como o objetivo entender como se deu
esse processo de embates entre holandeses e portugueses nessa cidade. Para
tanto, nortiei-me principalmente nas referências de Thétis Nunes e Felisbelo
Freire, que abordam muito bem o tema em questão.
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Palavras-chave: São Cristovão, Invasão, Embates, Destruição.
A vetusta cidade de São
Cristovão foi a primitiva capital do Estado de Sergipe, e desde do processo de
fundação, foi palco de grandes embates e lutas no campo político,
administrativo e social ao longo dos séculos, onde por mais de uma vez, foi
invadida por desordeiros e revoltosos. Nesse nosso estudo, cabe trabalhar
apenas o período da invasão holandesa à essa cidade, compreendido entre
1637-1645. O prelúdio desses enfrentamentos se dá, com o grande embate no
alvorecer de 1590, com a consolidação da vitória de Cristóvão de Barros, que tendo
vindo realizar pelas armas, a conquista do território sergipano que se achava sob
o domínio do gentio, aliado à piratas franceses que chegaram pelos fins de
1589, deixam cerca de 2.400 índios mortos e 4000 feitos prisioneiros.
O conquistador após cuidar dos feridos, fundou a
cidade-forte de São Cristovão próximo à foz do Rio Sergipe, também conhecido
como Rio cotinguiba, no ístmo formado pelo Rio Poxim. Essa povoação, já citada
acima, à qual Cristovão de Barros assim denominou-a, em honra ao santo do seu
nome, era também chamada de Sergipe Del Rei, por ser a conquista em parte
resultado de iniciativa real, e também para diferenciá-la de Sergipe do conde,
território pertencente ao recôncavo baiano, essa seria a nascente capital, da neófita
capitania de Sergipe.
Naquele momento a incipiente São Cristovão, passou os
seus primeiros anos de vida, sem maiores transtornos na sua história, lançado os
fundamentos da vida administrativa no rumo de sua colonização. É a partir de lá,
que começaram a expedir-se pelos seus capitães-mores, as primeiras cartas de
sesmarias visando povoar-se o território, num impulso de penetração que ia do sul e, depois, do
leste, para o oeste. Grande foi a corrida inicial de colonos pela posse da
terra sergipana. Duas décadas após a vitória de Cristovão de Barros sobre os
gentios, já se apresentava promissora a vida nessa capitania.
Esse processo de desenvolvimento fora interrompido em
1637, quando irrompe a invasão holandesa em Sergipe, e São Cristovão como sede
da Capitania, sofre mais um trágico infortúnio resultante do enfrentamento de
fogo. De acordo com o autor, Felisbello
Freire, na obra “História de Sergipe” o conde Bagnuolo era o comandante das
tropas portuguesas, e estava fortificado em Porto Calvo, quando Maurício de Nassau,
assumindo a direção do governo holandês em Pernambuco, logo pôs-se a campo com
as tropas holandesas a estender os
domínios para o sul, tomando conhecimento do avanço da força holandesa, e por
não poder deter o exército inimigo, Bagnuolo abandona Pôrto Calvo, e batendo em
retirada chega ao Rio São Francisco em 27 de março de 1637, edificando um forte
que denominou de Mauritius.
No mesmo ano, Bagnuolo após obter a notícia de que, o
exército holandês reunia forças para continuar o avanço em direção ao São
Francisco, e tendo conhecimento da superioridade numérica do seu opositor, objetivando
uma ação definitiva, novamente temendo o embate e visando proteger o coração da
colônia, o exército luso-brasileiro do Conde Bagnuolo, recua agora em direção à
São Cristovão, chegando à cidade em 30 de março, não tardando encetar contra o
inimigo que se aproxima, uma guerra de emboscadas.
No dia 14 do mesmo mês, mais uma vez sentido a
desvantagem de um combate frente à frente, abandona a cidade fugindo para a
Bahia, porém, antes expede diversas partidas a devastarem e assolarem a fogo o
território que abandonavam, causando devastações pelas ruas e os arredores, a
fim de que, as forças inimigas não encontrassem muito o que aproveitar.
Quando as tropas de Maurício de Nassau penetram os
muros de São Cristovão, em 17 de novembro de 1637, já encontram a cidade
indefesa e novamente a incendeiam e a destroem. Nesse período, a São Cristovão
já possuía cem fogos (casas), uma misericórdia e dois conventos. A despeito
dessa destruição diz FREIRE: “A destruição encetada pelos conquistados é
acabada pelos conquistadores, que entregam às chamas a pequena cidade devastam
os canaviais e os sítios, incendeiam os engenhos e em vez de proteger os
infelizes abandonados, aqueles cujas forças privaram de acompanhar os seus
concidadãos, enxotam-nos de seus lares, para com a miséria e a dor, seguirem a
reforçar o exército fugitivo”. (FREIRE, Pg, 126).
De acordo as “efemérides sergipanas”, depois que os
invasores devastaram toda a capitania, retiraram-se para o São Francisco, sem
nela deixar o menor vestígio de administração pública, não obstante incorporada
ao seu domínio. Para Felisbelo Freire, essa atitude demonstra que os holandeses
trataram Sergipe com desdém e esse teria sido o gérmen da queda
do seu domínio no Brasil.
As consequências dessa invasão foram várias, desde os
saques e devastações realizadas pelos conquistadores e fugitivos na região,
fazendo da capitania um deserto, exaurindo com o trabalho agrícola, interrompendo
o contínuo processo de colonização a partir da cidade de São Cristovão, até provocar o atraso na vida administrativa
local.
A pecuária que havia se tornado inicialmente, a mais
importante atividade dos colonos desde os
primeiros anos da conquista em 1590, vai sofrer grandes baixas, encerrando-se a
primeira etapa do desenvolvimento dessa atividade na capitania de Sergipe. Não
só a criação do gado, más as culturas de subsistência que até então, tinham
sido o suporte da economia sergipana, além
do fumo que estava em desenvolvimento, como bem observa a autora Thétis Nunes, que diz: “quando os
holandeses aqui chegaram, no começo do século XVII, encontraram muitas lavouras
dos melhores tabacos.”
A despeito do estagnamento dessa atividade pastoril na
região, diz NUNES: “A destruição do gado existente foi feita por ambos os
contendores. Bagnuolo levou para a Bahia cerca de 8.000 reses, após ter matado
5.000, os holandeses fizeram passar para seus domínios de além São Francisco,
todo o gado que foi possível, sacrificando 3.000 cabeças que não puderam
levar”. (NUNES, pg, 102).
Antes da devastação autorizada pelo conde Bagnuolo na
cidade de São Cristovão, os recursos da região eram consideráveis. No que diz
respeito a criação de gado, desde o período da consolidação do domínio luso, as
exportações da Capitania de Sergipe del Rei eram o gado vacum e cavalar, as
criações miúdas, que compreende porcos, ovelhas, cabras, e os derivados das
culturas de subsistência, em que se destacavam a farinha de mandioca, o arroz,
o milho, e o feijão. (NUNES, pg. 144).
Corroborando com o pensamento de Thetis Nunes, de que
a capitania de Sergipe apresentava-se promissora, o autor Felisbelo Freire em
um contexto que trata da devastação causada a capitania diz: “Bagnuolo, em uma
incandescência de ódio e rancor, no intuito do inimigo nada encontrar na
nascente capitania, entrega tudo à destruição de seus soldados, desaparecendo
uma pequena riqueza, acumulada em quarenta e sete anos de colonização” (FREIRE,
pg. 126).
A farinha de mandioca, produto de subsistência muito cultivado
na capitania sergipana, foi de grande importância na alimentação dos
holandeses, tanto que a partir de 1640, o príncipe Nassau baixou uma resolução,
obrigando os senhores de engenho e os lavradores de cana a plantarem, para cada
negro escravo, 300 covas de mandioca; os que não tivessem engenho ou não
plantassem cana deveriam plantar 500 covas.
Em 1640, torna-se a cidade em novo palco de lutas
entre forças portuguesas e os holandeses, desencadeando a batalha em 1º de
agosto, da qual as tropas portuguesas saíram vitoriosas, marcando uma etapa
decisiva no que poderia ser uma retomada de Sergipe para o domínio de Portugal.
Em 1641, o príncipe de Nassau mandou que Andreas, um dos
comandantes holandeses das tropas do São Francisco, com reforço de quatro
barcos que lhe foram enviados de Recife, invadisse o território sergipano até
atingir o Rio Real, onde deveria ser construindo o trincheiramento, no entanto,
numa atitude estratégica o comandante holandês penetrando pela barra do
Vazabarris, arvora a bandeira de paz e sendo recebido sem hostilidade
desembarca e apodera-se de surpresa da cidade.
Não satisfeito com esse desfecho, Felipe Camarão numa
tentativa de recuperar o território, cerca São Cristovão por algum tempo,
tentando retomá-la de Andreas, más, sem sucesso, faltando recursos levanta o
cerco. Essa tentativa de recuperação será suplantada por algum tempo,
principalmente em 1642, quando a capitania de Sergipe é doada oficialmente pelo
Supremo Conselho da Administração dos Estados Gerais das Províncias Unidas
Neerlandesas no Brasil, a Nunin Olfers, ficando assim, São Cristovão em poder
dos holandeses.
Por fim, o ano de 1645 significa definitivamente o
último dos embates entre os beligerantes, quando após o enfrentamento que
culminou com a derrota do forte exército de Nassau, pelas tropas
luso-sergipanas, e corolário desse processo é a queda do reduto dos holandeses
na cidade de São Cristovão, ante o cerco de D. João de Souza, sendo feito
prisioneiro na cidade o comandante holandês, Van Vagels. A partir desse
momento, ocorre a segunda fase de desenvolvimento da economia sergipana, na
medida que uma vez expulsos os
holandeses para sempre da capitania, volta à mesma, a desempenhar seu papel de
capital nas providências de natureza político-administrativas, para a
recuperação do território sergipano devastado e restauração da ordem.
No bojo da reconstrução da vida econômica sergipana, após o período
turbulento da última metade do século XVII, ao qual Cândido Mendes chama de
“período de obscurantismo”, referindo-se ao período de ocupação holandesa, cresceram
as culturas de subsistência. A recuperação da capitania foi compartilhada e
motivada por um espírito de coletividade entre a sociedade pastoril, que já
havia sofrido vários golpes, e apesar de muitas vezes entrar em divergências,
em outros momentos da vida local, agora unia suas forças nesse momento importante
para a retomada da economia da capitania.
REFERÊNCIAS
DÓRIA, Epifânio. Efemérides
Sergipanas – volume I: Organização de Ana Maria Fonseca Medina. Aracaju:
Gráfica Editora J. Andrade Ltda., 2009.
Enciclopédia dos Municípios brasileiros. XIX volume. Rio
de Janeiro 1959.
FREIRE, Felisbelo. História de Sergipe. 2
ed., Petrópolis: Vozes/ Aracaju:
Governo do Estado de Sergipe,
1977.
NUNES, Maria Thetis. Sergipe
Colonial I. Rio de janeiro: Tempo Brasileiro, 1989.
SOUSA, Antonio Lindvaldo. Das Insubordinações e Protestos à
Independência da capitania de Sergipe. In: Temas e História de
Sergipe II. São Cristovão: Universidade Federal de Sergipe/CESAD, 2007.